sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A alegria, a felicidade

Amigos confabulando  ICATU - CAMPOS DO JORDÃO

A alegria, a felicidade

“Saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade”
Georges Bernanos -  Escritor e jornalista frances (20.2.1888/5.7.1948)


          A busca da felicidade tem sido tema recorrente na literatura, teatro, cinema, ópera, filosofia, psicologia, etc. O ser humano pensante tenta encontrar caminhos que levem ao encontro do significado ou sentido da vida, e do verdadeiro encontro com a felicidade.
          A meu ver,  observadora do ser humano que sou, a felicidade está na busca, no caminho a percorrer, está no que podemos realizar a cada momento, cada qual utilizando os melhores dons ou bens de que dispõe  na ajuda ao próximo, na alegria de seus irmãos, na solução de problemas simples de quem nos cerca, na alimentação de quem tem fome, no aconselhamento de quem se encontra indeciso e pede ajuda, na doação de vestimenta aos que passam frio, no abrigo a quem não tem teto, no abraço fraterno a quem se sente só, no sorriso carinhoso a quem está passando ao seu lado, enfim, no gesto ou palavra de amor ao seu semelhante. E tudo isso visando o ato em si, a alegria de ver o outro alegre, não a recompensa, não o retorno, não o reconhecimento. Tudo isso feito indiscriminadamente, livre de preconceitos. Simplesmente porque amar faz bem ao nosso coração.
           Pequenos gestos, como dar as mãos, podem significar muito mais, quando gera o companheirismo num momento de sofrimento ou dor. Um olhar sincero e cúmplice acalenta a alma e por si só passa a mensagem de que estamos ali ao lado, para o que der e vier. O mais simples aceno, o sorriso franco, o abraço, o beijo, podem trazer calor à alma, causar alegria, em quem dá e em quem recebe: pode haver coisa melhor do que compartilhar sentimentos bons? Pode haver sensação maior de alegria do que na reciprocidade de emoções? É sempre uma via de mão dupla, um espelho que reflete o que se mostra a ele.
            Uma conversa tranquila com um amigo, a quem temos oportunidade de  conhecer melhor, oferecer ideias, elucidar dúvidas das mais variadas, aprender um com o outro, usufruir das experiências do outro, congregando a mesma fé ou não, tentando entender as diversas formas de agir e de pensar, é nestas conversas que estabelecemos a amizade e com ela vem a alegria, e decorrente disso a felicidade. É na troca de palavras  sinceras que a amizade aflora, na confiança repartida que ela se eterniza, no caminhar junto, mesmo que por caminhos diversos que ela se estabelece, e trás mais significado à vida.
            O ser humano é gregário por natureza, e nestes encontros felizes surgem a justificativa, a explicação e o estabelecimento dos vínculos que norteiam nosso viver, nestes encontros temos a oportunidade de aprender, crescer, evoluir, nos desenvolver intelectual, emocional e espiritualmente. Temos a chance de tentar ver o mundo pelo olhar do outro, abrindo e ampliando nossos horizontes. E a cada passo dado, de mãos dadas com o amor incondicinal, caminharmos tendo a felicidade ao nosso lado, em todo tempo, a cada minuto.

                                                   Eloísa Falcomer
                                       São Paulo, 21 de agosto de 2011.

sábado, 20 de agosto de 2011

Paixão politicamente incorreta


                                 
               Quanta saudade...!  Sinto sua falta a cada instante, sinto seu perfume e me lembro de quando convivia com você diariamente.
          Quanta tristeza quando nos separamos, quantos momentos angustiantes, que solidão acompanhou o seu afastamento. Havia momentos em que pensava em reassumir a paixão, mas lembrava-me das conseqüências de tal decisão, dos males da sua presença em minha vida.
                 Agora, longe de você há tanto tempo, fico pensando o quanto perdi em abandoná-lo, fico tentando me convencer que foi o melhor que poderia ter feito, fico rememorando quanto sua companhia me acalmava e ao mesmo tempo me excitava.
              Todos me apoiaram e se solidarizaram com minha tomada de consciência e efetivo desligamento de você e da vida que juntos usufruíamos. Éramos felizes, fazíamos um belo par, você incensava meu mundo, você preenchia um vazio em mim, que à pouca coisa podia se equiparar.
                  Hoje sem você, penso no quanto me satisfazia, entrando em mim, etérea e  suavemente, invadindo cada célula, cada gota de sangue, com a química que sempre houve entre nós. E ficava inebriada, feliz e plena, o desejo realizado, a paixão viciante que quando saciada entontecia e praticamente me deixava sem fôlego.
              Lembro de você e o quero de volta, dúvidas povoam minha mente, transtornada me remeto ao tempo em que nosso dia a dia era povoado de momentos de prazer. Tenho que repensar se vale a pena manter-me afastada de você, tenho que reavaliar o quanto essa distância é nociva e o que aconteceria se voltássemos a conviver.
             A grande preocupação é com a opinião dos outros, infelizmente. Tenho que assumir que fico preocupada com isso, é uma fraqueza, é uma falha de personalidade, mas as pessoas opinam, se intrometem, se julgam no direito de julgar o que é bom e o que é ruim para mim. Deixo-me levar por essas opiniões, deixo-me influenciar pelos palpiteiros, e eles querem nossa separação.
              Vou mostrar que quem manda em minha vida sou eu, e eu quero você, preciso de você, sem você me sinto só...
                Agora basta. Não quero mais esse negócio de você longe de mim.
          Chega de saudade...  Está decidido.  Vou voltar a fumar !

                                                                              Eloísa Falcomer
                                                          São Paulo, 29 de maio de 2008

Este texto foi escrito para um concurso literário do Jornal O Estado de 
São Paulo, cuja frase/tema, que  deveria constar do corpo do texto, era : 
"Naõ quero mais esse negócio de voce longe de mim". 
O concurso era comemorativo dos 50 anos da nossa Bossa Nova !

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O papel marcante no palco

Opera  "Olga"  de Jorge Antunes
                                                              
Em quase 30 anos vivendo a cantar no Teatro Muncipal de São Paulo,  tive a oportunidade de vivenciar vários papeis. Papel   de  mulher da vida, com glamour e luxo em "La Traviata", de mulher do povo, com  pobreza, suspense  e medo em "Turandot", de  cigana com sensualidade  e  alegria em "Carmen", de freira, com  religiosidade e meditação em "Suor Angelica". E assim por diante, em dezenas de óperas ali encenadas.
 Mas o papel , que trouxe em si uma verdade histórica tocante,  foi a de prisioneira  na ópera  “Olga”, de Jorge Antunes! No primeiro ato o coro fazia o papel de funcionários russos datilografando freneticamente num grande escritório. No segundo ato se transformava em  presos polítcos, juntamente com Olga, no Brasil. E no final da ópera, a cena mais impressionante que vivi, o papel  inesquecível, na veracidade e tragédia da prisão e extermínio de tantos judeus na Alemanha,  me remeteu a um passado não muito distante, que deve ser lembrado sempre,  para que não mais se repita.
 Estava vestida com uniforme de grandes listras, estrela amarela no braço,  roupa imensa para que parecesse magra, tôca cor da  pele  para que a cabeça se afigurasse raspada, maquiagem que tornava o rosto abatido, os olhos fundos com olheiras colossais, rugas profundas desenhadas ao redor do nariz e  boca, descalça. Era a desolação em pessoa, o olhar embaçado e triste, o caminhar lento e desesperançado, os ombros caídos, pela dor e sofrimento, o desalento e o medo presentes em cada suspiro. Em fila caminhei com minhas companheiras de infortúnio, adentrando uma grande sala não muito iluminada, soldados das SS fiscalizando nossa direção e obediência,  homens altos e temerosos, de olhar frio e coração de pedra, suástica no braço. E conforme caminhava bem lentamente, uma fumaça vinha ao nosso encontro: era a morte que nos esperava, a morte que seria inalada obrigatoriamente, a morte, quase uma benção,  em meio a tantos sofrimentos, desaparecimentos, abusos, tristezas e humilhações. Enquanto isso Olga entoava sua longa e melancólica  canção, para ao fim, juntar-se à fila e  morrer também.
O interessante é que, na magia do palco, em todas as apresentações, senti-me de fato judia. Descriminada, pelo nascimento. Condenada, sendo inocente. Ignóbil morte prematura, cruel destino. Foi sem dúvida, em tantos anos, o meu papel marcante. Sentia-me oprimida e injustiçada, a cada récita, chorava sem lágrimas, sentia o coração se acelerar, prevendo o que viria a seguir, não tinha forças para tentar reagir, não havia como, o corpo não me obedeceria, um passo após o outro, seguia rumo à morte. Após sair de cena levava muitos minutos para respirar normalmente, levava horas para retornar à realidade – era apenas teatro. Mas ao deitar minha cabeça no travesseiro, já em casa, confortável e alimentada, o peso da história me oprimia o peito, e sabia que no dia seguinte caminharia novamente para a morte na câmara de gás. E mais uma vez sair para a coxia, envolta em angústia e  melancolia.

      O palco nos proporciona estes momentos surpreendentes, quando papeis nos são  dados, e os vivenciamos, como se  os tivessemos experimentado verdadeiramente, não a ficção, não a ópera, não a arte, mas o mundo real em nossas mãos, dando a cada um que ali está, a grande oportunidade de sentir o que nunca se sentiu, de  ver o que não se viu, de andar por  onde nunca se esteve, de se emocionar com os sentimentos genuínos dos  quais apenas ouviu falar, de trazer para a realidade do palco o que  só era vislumbrado através de relatos históricos.



                                                           Eloísa Falcomer
                                                 São Paulo, 12 de agosto de 2011.



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O abraço, a proteção !


A natureza ensina

                                               
 
O abraço dos pais, dos amigos, dos amores, reconforta, fortalece. Cria vínculos fortes, suscita o amor, a fraternidade, o companheirismo. O abraço aquece, enternece, acarinha, delicia, inebria, alegra. Estabelece a proximidade que une corpos e almas. O abraço longo, duradouro, eterno, onde dois seres  viram um, acalenta o coração, sereniza a mente, imprime coragem. O abraço: melhor expressão física da união espiritual, melhor forma de começar a concretizar a solidariedade ! 

Eloísa Falcomer  8.8.2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Fernando Pessoa 1888-1935

Túmulo de Fernando Pessoa em Lisboa
Fernando Pessoa













Ânsia do ser



Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo, 
E a noite chega sem que eu saiba bem, 
Quero considerar-me e ver aquilo
Que sou, e o que sou o que é que tem.


Olho por todo o meu passado e vejo
Que fui quem foi aquilo em torno meu,
Salvo o que o vago e incógnito desejo
De ser eu mesmo de meu ser me deu.


Como a páginas já relidas, vergo
Minha atenção sobre quem fui de mim,
E  nada de verdade em mim albergo
Salvo um ânsia sem princípio ou fim.


Como alguém distraído na viagem,
Segui por dois caminhos par a par.
Fui com o mundo, parte da paisagem;
Comigo fui, sem ver nem recordar.


Chegado aqui, onde hoje estou, conheço
Que sou diverso no que informe estou.
No meu proprio caminho me atravesso.
Não conheço quem fui no que hoje sou.


Serei eu, porque nada é impossível,
Vários trazidos de outros mundos, e
No mesmo ponto espacial sensível
Que sou eu, sendo eu por 'star aqui?


Serei eu, porque todo o pensamento
Podendo conceber, bem pode ser,
Um dilatado e múmuro momento,
De tempos-seres de quem sou o viver?


DeFernando Pessoa   -   Cancioneiro