domingo, 26 de fevereiro de 2012

Os livros

                                     O Livro 

           Amigo querido e silencioso é este que nos acompanha desde a  infância pela vida à fora, enquanto e  quando quizermos sua companhia.
           Silencioso; porém sussurra ou grita, arranca lágrimas ou sorrisos, suspiros, pensamentos inimagináveis, atira-nos  verdades à cara, descreve-nos novos mundos, leva-nos a longinquos sítios, desvenda-nos filosofias fantásticas, adentra-nos aos costumes e usos de povos distantes, ensina-nos miríades de  ciências complexas, conta-nos a história dos povos de todos os tempos, explica-nos o céu e a terra, convida-nos sempre a aprender um pouco mais do tanto que não sabemos.
           Existe sensação de ignorância mais profunda do que passear por uma grande biblioteca? Ah... houvesse tempo  suficiente para lê-los todos !!! Que alegria  indescritível seria esta !
           Manusear um livro, novo ou velho, é ter nas mãos um grande mistério, é estar à frente do desconhecido podendo lançar-se ao seu descobrimento. O aroma do papel e da tinta fresca, ou então da pátina do tempo que não altera sua beleza, aguçando nossa curiosidade e fustigando a imaginação.
          E quando o livro é bom marcamos as importantes passagens, grifamos, relemos, comentamos às margens, contamos aos amigos e para ele reservamos um lugar especial  no criado, também mudo, do quarto. Há também os que preferem manter o livro livre de qualquer razura ou grifo, preservando-o de influências alienígenas que o deturpem. Mas para mim é um amigo com quem posso dialogar, e se é meu e faz parte de mim, gosto de  destacar o que coincide com o que penso, ou o que, ao contrário, me faz rever o que pensava.
          Alguns lêem ouvindo música clássica, outros em total silêncio, mais alguns em ônibus e metrôs. Na cama ou na poltrona preferida, na rede, no tapete, no jardim, cada qual escolhe o local e a melhor luz para o momento mágico da leitura. Na verdade pouco importa tudo isso quando o livro é ótimo, pois nele mergulhamos, nos desligando do mundo real. A eles nos apegamos tal qual a amigos  amados, desde sempre, a eles nos entregamos perdendo a noção do tempo e  a mente livre ao aprendizado ou lazer. 
           A eles devemos muito:  alguns dos nossos melhores momentos, a maioria do que sabemos, grande parte do que somos.


                                      Eloísa Falcomer
                         São Paulo, 23 de abril de 2010
                                        

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Saudades

COTINHA     * 8.8.1928     + 24.12.2005
                                                                              

Há seis anos atrás, mamãe partia deste mundo, deixando-nos órfãos de sua companhia, mas não de seu amor, que temos certeza é eterno. Foi juntar-se a Deus, de quem de fato nunca se apartou, e a todos os nossos queridos que antes já haviam  nos deixado.
Encontrei na poesia de Geraldo Facó Vidigal, amigo, jurista e poeta, a homenagem  perfeita, que retrata o que Maria Dia Falcomer, Dona Cotinha, foi para todos nós. Agradeço a ele o empréstimo de seus inspirados versos.
Agradecemos a Deus pela  mãe-amor que tivemos a alegria ter. Que seu exemplo norteie sempre nossas vidas. Quem a conheceu pessoalmente, sabe  quão verdadeiras são estas palavras. Quem não teve este privilégio, poderá aqui  perceber  quão importante foi ela em nossas vidas.


Sê horizonte !
               Geraldo Facó Vidigal

Sê horizonte - vai à Luz -
Vê que o Céu, por ti,
estrela um último sorriso fugaz.
E deixa-te cerrarem os olhos.
Deixa-nos ficar e recostar,
terna, tua cabeça: Ali
no adentrar dos sonhos de coisas
singelas, simples, belas, onde
a luz eterna impede que anoiteça
esse teu sol! Fica em paz.
ficamos nós aqui - sós - mais
um pouco, um pouco só...

Ficamos. E ternamente. Felizes
apenas de lembrar tua presença
sorriso amor - tão doces -
palavras amenas, saber infindo de coisas
novas, como futuras ou antigas.
Arguto senso que - incessante - incensou
dias adentro sem haver noite, escuridão
ou negritude: paciência amiga, mansidão
ensinaste e humildade que praticaste,
ainda rasgada a alma, sofrias rindo.

Vieste. E agora, vai. Esperar.
irmãos, amigos, filhos; Encontrar
mães e pai e avós. E teus amigos...
Descansa agora. Deixa em Deus
o brilho de tua memória, que aqui sabem
de ti os teus e de teus escritos instigantes.
Tantos subimos e soubemos contigo vida
- apoiados em teus ombros - fortes -
em teu peito amigo, na doçura intensa
expressada na tua voz, nesses teus risos,
sorrisos e até no edificante Ofício de teus ritos.

Ficas! ...comigo, conosco... com todos nós!


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O melhor lugar

Um chalé para os amigos
                                                                                                   
Aposentadoria, novos rumos, escolhas, mudanças, indecisões,  pesquisas,  reflexões, conversas e mais conversas.....

Não vou dizer que é ruim, não é! Estar à frente de tantas possibilidades não deixa de ser instigante,  não deixa de ser um grande prazer ter   opões;  faz lembrar a criança em frente ao balcão de doces, na dúvida entre a escura bomba de chocolate e a colorida tortinha de morangos.....
Só que aos 60 anos qualquer escolha terá prazo de validade curto. Quanto se poderá usufruir da nova vida? Quinze anos? No máximo vinte? Então não dá tempo de passar cinco anos pensando e mudando de idéia.
O lugar escolhido para se passar o final da vida tem que ser ótimo, tranquilo, com os pequenos detalhes que fazem a felicidade, cercada do que mais gosto de ver e fazer, rodeada de bons livros, filmes e muita música maravilhosa. Mas, essencialmente, perto  das pessoas que amo: meu amor, minha família, meus amigos, meu cachorro e meu gato, o que ainda vou adotar.
O local, por si só, nada representa. Não é nada.... paisagens, isto é,  ninguém. A sua importância está diretamente ligada a quem eu gosto de ter como companhia. A sua beleza diretamente ligada às conversas, risos, lágrimas, olhares,  e tudo que faz a vida ter sentido e ser grande e prazeirosa.
Sempre amei as paisagens nos quadros, apenas o belo, estável  e descomplicado horizonte despovoado, mas não é assim que quero viver. Gostaria de montar um cenário perfeito para este final de existência  onde seria encenada a comemoração de tantos anos de alegria compartilhada, onde viriam todos para se deliciar com a maravilhosa  festa que é o encontro de almas afins,  gente com o coração grande, a alma terna e amiga,  gente com a mente aberta a novas reflexões e prazeres, gastronômicos, filosóficos, sensoriais, teológicos, numismáticos, pictóricos, fotográficos, visuais,  o que for. Gente mais velha, com suas recordações a serem divididas, ou gente jovem para injetar energia nas veias já lentas. Crianças a quem ensinar ou com quem aprender a pureza e sinceridade.
Sempre amei as pessoas, por toda a minha vida, nelas coloquei todas as minhas expectativas, sonhos, afeição e  amor. A elas me dediquei, ofereci meu tempo e meus pensamentos, minha preocupação e  meu carinho. Por elas e com elas fiz os planos do dia a dia e assim gostaria que fosse até o fim.  Não  gostaria de me separar de  ninguém, estar longe olhando as distantes montanhas ou contemplando o oceano sem fim. Tanto o mar quanto o floresta me são caros, mas apenas se puder ali estar com meus amores. Todos.
Espero assim poder, quando com meu novo status de aposentada,  não me afastar de ninguém. Não sou o ser humano que gostaria de ser faroleira, apenas com meu cão. Nem a  heremita que  mora no topo do monte com meu gato, estudando até o último dia. Nem  a sonhadora romântica que habita a cabana à beira mar com meu amor, e por ele vive e só com ele se satisfaz.
Certa vez fui chamada de “Flor do asfalto” por uma sábia senhora amiga. Mas não é a cidade grande em si que me atrai. É quem nela existe, pois foi onde vivi. É quem nela me fala de perto ao coração. Sou urbana porque social. No sentido mais puro da palavra: que ama a convivência com os meus semelhantes. E meus preferidos entre estes são meus amigos e  minha família !
Ao decidir onde gostaria de morar, me vejo cada vez mais perto de dizer que quero estar onde o povo está: este povo que admiro e  amo, que conheço bem e entendo, este povo que  é o resultado de tudo que plantei durante tantos anos:  a amizade  é  puro deleite, construída  com cada telefonema, cada visita, cada email, cada compartilhamento de situação importante na vida de cada um.
À minha família e aos meus amigos digo que quero estar por perto pra sempre. Que serão recebidos em minha casa a qualquer tempo. Para um cafezinho, um jantar, uma boa noite de sono. Para uma conversa franca. Ou apenas pra ouvir juntos uma música especial. Para um encontro de páscoa, de natal, de aniversário, um fim de semana prolongado, à sombra de uma árvore,  em espreguiçadeiras, água de côco e  castanhas de caju. O que acharem mais apetitoso.
Não deixem de aparecer por aqui. Venham ou me convidem para ir às suas casas, se preferirem ou precisarem. Mantenham contacto, pois farei o mesmo. 
Bem vindos à minha nova vida que se aproxima!!!


Eloísa Falcomer
São Paulo, 11 de 11 de 11

domingo, 23 de outubro de 2011

A tendência do brasileiro ao riso

Afinal,  quem é o palhaço?
                                                                  


                 Já disseram uma vez que o brasileiro não é um povo sério. Ao observar a postura atual das pessoas,  podemos dizer que isto é a mais pura verdade.
          Existe uma compulsão ao riso em praticamente todas as camadas da sociedade, uma predisposição em achar tudo muito engraçado, uma preocupação excessiva em procurar o lado jocoso de cada evento político ou social, uma tendência a se fazer piadas sobre tudo que acontece na vida da cidade, do país e do mundo.
                Imediatamente após um acontecimento noticiado nos jornais ou televisão, já surgem na internet, na imprensa, nas rodas de amigos,  chistes  ou  trocadilhos, usando sempre as novidades para gargalhar.
              Nunca vemos  a preocupação em se analisar o que ocorreu, em se esclarecer os fatos, verificar a veracidade ou a idoneidade da fonte, estudar as conseqüências, corrigir os erros para que não se repitam. O bom mesmo é fazer uma brincadeira em cima de tudo que acontece e pronto, está encerrado o assunto.
          Não há melhor hora para o crescimento do que nos momentos difíceis e problemáticos. Não há tempo mais apropriado para o desenvolvimento do que nas grandes crises. É nesse momento que o indivíduo deve se concentrar em mudar e melhorar, aprender e levar a sério o que aprendeu, estudar profundamente as causas do problema, detectar as falhas, fazer os ajustes necessários.
            Mas infelizmente não é isso o que ocorre. Sempre aparecem os engraçadinhos que acabam fazendo um enorme sucesso perante um grupo. Passam a ser esperados ansiosamente para alegrar as vidas daqueles pouco criativos, que apenas ouvem e morrem de rir. Esse piadista passa a ser a pessoa inteligente e esperta, aquela que sabe de tudo e é rápida em inventar mais uma porção de anedotas.
          Os mais sérios são considerados os chatos e macambúzios, caretas e quadrados,  que não têm senso de humor e que deveriam ter ficado em casa, que sofrem de depressão, que são mal amados, que não têm amigos, que não tem ninguém.
          Não sou defensora da seriedade exacerbada, há que haver equilíbrio. Há momentos para tudo, e não o pensamento focado somente no que é livre, leve e solto, não só no descomprometimento e descontração.
          Tenho reparado, ao assistir peças de teatro, óperas, palestras e entrevistas, as pessoas ficrem tão ávidas pelo riso, que riem até mesmo do que não é risível, acham graça do trágico, chegam a gargalhar simplesmente por ouvir um palavrão. Interpretam erroneamente comentários elevados, transformando tudo em brincadeira, tornando comédia o que quer que seja. Apresentadores de televisão fazem perguntas absurdas só para que a resposta seja mais engraçada. Intelectuais são muitas vezes ridicularizados para que suas entrevistas se transformem em grandes piadas, acabam muitas vezes passando por idiotas, rasos, sem imaginação, o oposto do que são realmente.
           O brasileiro precisa aprender a discernir o que é sério do que é piada,  precisa reconhecer o que é falado para seu desenvolvimento do que é engraçado,  necessita perceber que seriedade não é sinônimo de  chatice ou impopularidade. Que encarar os problemas de frente e buscar soluções não diminui ninguém. Há um momento para cada coisa. Estudar e aprender não transforma as pessoas em aberrações. Infelizmente ser sério está fora de moda.
           O brasileiro precisa crescer e parar de tentar ser uma criança para sempre. Brincadeiras têm limite. E limite é uma coisa que o brasileiro não   tem !!!



Eloísa Falcomer
São Paulo, 20 de julho de 2007

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Apologia da criação e da vida

Arnaldo Falcomer



Esta oração foi extraída de um discurso de Arnaldo Falcomer, meu pai, realizado no dia 23 de março de 1990, na Loja Maçônica Lord Baden Powell, ocasião em que ele estava sendo homenageado, por inúmeros trabalhos realizados.

           "Oh Grande Arquiteto do Universo! Tu me criaste achando que de alguma forma minha presença entre os homens seria compensadora, embora Teu projeto não tenha sido inteiramente realizado. Eu Te causei muita decepção. Mas, para um espírito pobre, até que fiz muito! Fracassei em muitas coisas. Quem sabe se em oito ou dez vidas conseguirei atingir o que esperavas de mim. Não devo ser ingrato, agradeço teres me colocado num lar humílimo, mas honrado. Jamais na minha casa encontrei rejeição aos meus costumes, minhas idéias. Jamais conheci a infelicidade, porque aprendi a não ter inveja. Nunca experimentei o menosprezo, porque me puseste do lado de irmãos, tios, avós, primos, colegas de escola e de trabalho que sempre demonstraram acatamento e respeito a mim. Conheci desde cedo, que, sem ser cobiçoso, algum progresso atingiria por meios próprios e honestamente. Posso não ter atingido os níveis que esperavam de mim, por ser alma pequena, mas minha intenção sempre foi a de construir, de participar, de colaborar.
           Criaste o homem, Supremo Arquiteto, para que ele realize e cresça, para que ele supere a si mesmo e construa um mundo melhor. Daí eu sentir a tremenda responsabilidade que está sobre meus ombros. Por que percebo que minha vida se esvai e pouca coisa mais poderei fazer. Só uma coisa posso transmitir de muito oportuno aos mais moços que eu: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias”, mensagem presente em nossos rituais. Façam agora, porque amanhã pode não haver oportunidade nem condição.
           Grande é meu débito pelo que não fiz em muitas áreas de interesse da Humanidade. Meus amigos, que são meus credores pelo que não realizei, são por demais complacentes.
           Sou grato a Ti, Grande Arquiteto, pela descomunal tolerância que tens para comigo. Sou muitíssimo agradecido  aos meus amigos e extremamente feliz por não ter de quem me queixar. Sou grato a Ti por eu ter sido colocado em caminhos onde encontrei por espelho Homens de estatura moral elevada, almas nobres, tipos altivos, seja no âmbito da Maçonaria, do Escotismo, no mundo religioso e na atividade profissional.
           Faço esta exaltação a Ti, Grade Arquiteto de Universo, porque sois a expressão da Vida, Vida Universal, Vida Eterna!
          Vida entre amigos, vida entre irmãos, pulsação infinita, calor humano, calor sideral, calor celestial, calor Divino!
          Graças Te rendemos, Oh Grande Arquiteto do Universo! Assim Seja!”

Arnaldo Falcomer





quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A arte e a loucura

                                                                                 

               Os artistas caminham num  mundo paralelo ao real, rodeados de possibilidades de fuga do mundo das coisas tangíveis, cercados por encantamentos e magias que o palco oferece. Livres pra voar nas palavras que escolher em sua poesia ou prosa.  Cercados pela argila maleável que tudo permite o moldar.  Frente às telas  onde o possível não tem limites, onde a cor e a forma ficam ao seu dispor, em cada pincelada aleatória ou não. Música e movimentos delineiam a dança conforme comando do corpo, ao seu bel prazer.
                    A técnica possibilita mais liberdade,  não deve cercear a criação artística. Serve apenas como a base onde se apoia o sonho e a fantasia. A mente do artista viaja por caminhos inusitados, na medida em que galga a sabedoria gerada pelo livre pensar e sentir. A alma, enriquecida de sensibilidade artística, passeia pelos caminhos que surgirem em seu imaginário, criando do nada a estrada que desejaria ter à sua frente. O espírito se eleva às nuvens do sonho, conhecendo novas luzes e sombras,  se veste e se despe da roupagem que melhor lhe aprouver. Num transe em que todas as ficções se tornam paupáveis, em que dois mundos se misturam em tanta intensidade, que num átimo não se sabe mais o que existe e o que é puro delírio.
                    O palco vazio, a tela ou papel em branco, o barro, potes de tinta, pinceis, canetas, instrumentos musicais, não importa o meio, todos abrem um leque de riquezas que trazem em si o imenso gozo de ver surgir a arte em todo seu esplendor, na significância de cada detalhe, ou na importância do conjunto da obra. Um mundo novo se descortina quando o artista abre sua mente à simples ideia: sou um ser livre e posso transmitir o que sinto, sou um ser humano disposto  a novos olhares e posso expor o que penso e sei, ou penso que sei.  Quanto maior a certeza de estar certo, maior a chance de expandir horizontes, os tímidos ficam tolhidos pelo real, os confiantes, livres das amarras de críticas, alçam vôos mais altos, e terminam por realizar coisas inimagináveis.
                    Mas, pelos caminhos das  cidades, rumando aos palcos e galerias, confronta-se o artista com a  realidade do mundo, com  o feio, com a pobreza,  o aviltamento, a censura, o descaso, a mentira, a maledicência, a inveja, o ciúme, a ira, a sujeira, os maus tratos, e, o que mais de negativo existe, esbarra nele e o faz rever suas posições , reavaliar suas orientações. Este não é o mundo dele. Esta não é a sua “realidade”, que de tão etérea, se distancia de tudo que é negativo. Que de tão perfeita e pura, não se amalgama com tudo que existe lá fora.
                    Assim ele tem a tendência de se afastar do chão e cada vez mais voar pra longe do real. Aprisiona-se dentro de si mesmo, buscando a sua verdade, distancia-se de amigos, no afã de primeiro entender-se.  Quem alcançaria a  riqueza escondida dentro de si? Quem o saberia detentor de tantas belezas ou dúvidas e incertezas? A liberdade do pensar tráz a euforia e alegria de caminhar mais além. Mas quem pode  acompanhá-lo nesta jornada, além de si mesmo?
                    Daí sua solidão e isolamento, sua necessidade de estar com o seu material de trabalho, livre para exprimir-se, sem interferêcias, sem distrações, sem que nada perturbe seu discurso, tão claro em sua mente, mas ao mesmo tempo exigindo extrema concentração e esforço ao ser parido. A ideia fixa da sua verdade grita em sua mente, pedindo galgar o mundo. A beleza idealizada se expande e necessita brotar pra fora de si, pede exteriorização, clama por escapar do claustro em que vive na sua alma. A luta que ele  trava internamente é intensa,  dificilmente avaliada pelos que o circundam. Tempos de conflitos interiores, tempos de dúvidas, tempos de questionamentos. E de um caminhar que beira a loucura. Álcool, drogas, sexo, depressão, muitas vezes permeiam os dias conturbados nesta busca insana, se confundem com o que ele pensa de si, e como  os outros o vêem. Encontrar a expressão exata do que sente consome suas horas, seus dias, esquece-se de comer e de dormir, mergulha  no afã da busca e não se lembra mais de nada e de ninguém. Sua mente oscila entre a auto-estima baixíssima e o ego inflado, entre tais altos e baixos o artista está constantemente nesta vertiginosa e nefasta corrida por uma montanha russa, perdendo a noção do que realmente é e vale, do que merece usufruir; num dia, rico, no ano seguinte paupérrimo. A velhice o assusta, a perda da beleza o enlouquece; o espelho o avisa e ele se apavora tentando se agarrar ao que pode; a flacidez muscular ameaça sua flexibilidade, e o tremor das mãos impede gestos precisos; a visão se turva, o ouvido ensurdece , a voz emudece, e a catástrofe se avizinha, ameaçando todo seu trabalho. O medo passa a ser seu companheiro diário.
                    Quem poderá compreender esta pessoa artista, que é um amontoado de tantos conflitos internos? Como poderão conviver com o ser que se isola e se perde em meio aos seus próprios questionamentos? Quem  dará as mãos a alguém que pouco procura por elas? Quem conseguirá compartilhar este caminho com ele?
                    Nessa busca incessante, lidando com empresários, marchands, diretores e produtores, surgem os embates, desafios, tão afastados e estranhos ao imenso mundo de sonho do artista. A sobrevivência, na forma de alimentação, moradia e saúde,  impõe acordos, estabalece limites, cerceia atitudes espontâneas. Este confronto com o vil metal não se coaduna com o belo, não se afina com a meta de encantar olhos e ouvidos, ávidos por encantamento e deleite, prazer puro de admirar  a criatividade e o desempenho do artista, despertamento de olhares novos, de ideias supreendentes, desabrochar de  inéditas abordagens ao que já foi visto e ouvido antes. O  pagamento justo da arte pode ser calculado, traduzido em cifrões? Quem tem esta capacidade verdadeira de aferir valores a uma conquista critativa?
                                                                                      
                    Aos que caminham de mãos dadas com as artes e a insanidade, os meus votos de satisfação com suas obras, meus desejos de um encontro pessoal e perfeito com o Belo  que emanou de sua sensibilidade e de  sua derterminação de alcançá-lo.  Bons augurios em sua peregrinação por este mundo cercado de flores e de espinhos, povoado de inteligências e ignorâncias, mesclado de ápices e  depressões. Que a alegria infinita das conquistas sobrepuje a melancolia das frustrações. Que cada passo justifique a busca e traga grandes momentos de encontro com voce mesmo, no seu eu mais profundo e verdadeiro. Que a arte possa trazer prazer e alegria suficientes  para equilibrá-lo e torná-lo mais confiante que sua missão está sendo cumprida e que seu talento não esteja sendo desperdiçado. Que haja aceitação e alguma recompensa; aplausos e reconhecimento de seus méritos; que sua criatividade possa estar debaixo de holofotes inteligentes, que enriqueçam seu trabalho e sua arte. Se não hoje, ao menos um dia enfim, como aconteceu com tantos mestres da criação artística.


                                      Eloísa Falcomer
                        São Paulo, 5 de setembro de 2011
                        

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Aprendendo com Platão


Saindo da caverna
                                                                                                       
Alegoria da caverna


Imagine alguns homens vivendo em uma moradia em forma de caverna, com uma grande abertura do lado da luz. Encontram-se ali desde a sua meninice, presos por correntes que os imobilizam totalmente e de tal modo que não podem nem mudar de lugar, nem volver a cabeça e não vêem mais que aquilo que lhes está na frente. A luz lhes vem de um fogo aceso a uma certa distância, por trás deles, em uma eminência do terreno. Entre esse fogo e os prisioneiros há uma passagem elevada, ao longo da qual imagine-se um peque­no muro, semelhante aos balcões que os ilusionistas levantam entre si e os assistentes e por cima dos quais mostram seus prodígios. Pensa agora que ao lado desse muro alguns homens levam objetos de todos os tipos. Tais objetos são levados acima da altura do muro e os homens que os transportam alguns falam, outros seguem calados. Os prisioneiros, nessa situação, jamais viram outra coisa senão as sombras, jamais ouviram outra voz senão os ecos que reboam no fundo da caverna. Falarão das sombras como se fossem objetos reais, terão os ecos como vozes verdadeiras. Esses estranhos prisioneiros são semelhantes a nós, homens. Pensa agora no que lhes acontecerá se forem libertados das cadeias que os prendem e curados da ignorância em que jazem. Se um dentre eles se levantar e volver o pescoço e caminhar, erguendo os olhos para o lado da luz, certamente tais movimentos o farão sofrer e a luz ofuscar-lhe-á a visão e impedirá que ele veja os objetos cuja sombra enxergava há pouco. Ficará deveras embaraçado e dirá que as sombras que via antes são mais verdadeiras que os objetos que são agora mostrados. E se tal prisioneiro, arrancado à força do lugar onde se encontra for conduzido para fora, para plena luz do sol, por acaso não ficaria ele irritado e os seus olhos feridos? Deslumbrado pela luz, porventura não precisaria acostumar-se para ver o espetáculo da região superior? O que a princípio mais facilmente verá serão as sombras, depois as imagens dos homens e dos demais objetos refletidos nas águas, e finalmente será capaz de veres próprios objetos. Então olhará para o céu. Suportará mais facilmente, à noite, a visão da lua e das estrelas. Só mais tarde será capaz de contemplara luz do sol. Quando isso acontecer reconhecerá que o sol governa todas as coisas visíveis e também aquelas sombras no fundo da caverna.
Platão

"Para explicar o momento de passagem de uma grau de conhecimento para o outro, no Livro VII  da República, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da paidéia platônicas."