domingo, 31 de julho de 2011

A história de Zulmira, a galinha preta

Zulmira
                                                                          
 Era uma vez, numa cidade grande, no século XXI, muito poluída e  carente de paisagens bucólicas e pastoris, trânsito congestionado, ruídos ensurdecedores, correria de gente  pelas ruas, onde a galinha preta, sabe-se lá como, foi parar. Era a Zulmira, muito pretinha, alta e magra, penas brilhantes, furta-cor, uma galinha feliz e sonhadora, que logo ao nascer foi separada de sua família para fins desconhecidos, por ela e por todos seus irmãozinhos. Quinta-feira, no exílio de um caixote de madeira, amarraram-lhe uma fita preta no tornozelo e ela pensou: “puxa, que beleza, uma pulseira que combina com o tom da minha pele, como sou felizarda por ter sido escolhida entre tantos, por ser a mais bela, agraciada com ornamento gracioso, apartada, talvez por ter as qualidades que os outros não têm...”.
No decorrer do dia foi elucubrando as mais deliciosas fantasias de uma galinha: ganhar corozinhos pra comer, passear pelos campos, livre e leve, e talvez por ali conhecer o galinho mais bonito da redondeza, o mais forte e carinhoso, mais astuto e leal, botar belos ovinhos que gerariam pintinhos, tão sortudos quanto ela, ter uma bela árvore pra morar e proteger do sol e da chuva, segurança almejada pelos seres viventes, paz ansiada desde sempre. Que felicidade ser uma galinha preta, diferenciada e reconhecidamente mais querida por todos.
Mas por volta da hora do almoço ouviu os seres humanos, em grande atividade ao seu redor comentando: “Voce já preparou a galinha preta pra amanhã? Já amarrou a fita? Preciso dela lá pelas seis da tarde, pra organizar o trabalho, virei buscá-la para o despacho!”.
Quando Zulmira ouviu esta palavra, veio-lhe à mente o conhecimento atávico que todas as galinhas pretas intuitivamente já têm, passados desde tempos imemoriais por seus antepassados: “Agora já sei !!! Vão tentar me matar amanhã, sexta-feira, à noite”. Que poderei fazer? E meus sonhos e quimeras, meus desejos de um futuro feliz ao lado do meu galo-encantado e de meus filhinhos graciosos?
Zulmira pôs-se a pensar um pouco, tentando encontar uma saída para a situação, buscando uma rota de fuga, examinando o entorno, avaliando possibilidades e sua autonomia nas parcas técnicas de vôo. Fez cálculos matemáticos, estatísticos, aerodinâmicos, espaciais, e concluiu: “Se eu me alçar na direção daquela árvore que existe por trás deste muro ao lado do caixote, pode ser que consiga mudar meu destinho, que consiga alcançar a vida,  a liberdade sonhada e ao fim a realização de meus desejos mais queridos.
Fez uma prece pedindo forças e proteção aos espíritos dos antepassados desaparecidos na mesma situação, pediu energia para sua fraca musculatura de pernas e asas, e após contagem regressiva, lançou-se ascendentemente no ar, com toda a motivação necessária para bem concluir seu ato.
Conseguiu ! Lá estava ela, na árvore, sã e salva, cansada a não mais poder, mas orgulhosa de si mesma. Se sua mãe soubesse o que havia feito, de certo ficaria orgulhosa. Mas outro problema se apresentava: o que fazer dali pra frente? Como sobreviver nesta rua inóspita? Mas, como galinha inteligente que era, Zulmira resolveu descansar por uma noite, no dia seguinte, mais revigorada, pensaria numa solução, pois o mais difícil e inacreditável ela já havia feito.
Logo que amanheceu, foi acordada pelo ruído de um cão que se aproximava, junto a um  homem grisalho, passeando calmamente pela calçada. O cão não a viu, mas o homem, afeito a todos os animais, mas especialmente a galinhas, nela fixou o olhar por uns minutos, logo após indo embora. Zulmira, a sonhadora, pensou que feliz era aquele cão, livre, sem coleira, ora caminhando ora correndo, com seu amigo. Ah...queria isso pra mim.....
Por volta do meio dia, Zulmira, já com fome e sede, novamente avistou a mesma dupla que ali passara pela manhã. Mais uma vez o cavalheiro parou e admirou-a por alguns minutos. Mais uma vez ela percebeu no olhar dele aquele brilho da amizade e do carinho. Será que São Francisco teria ouvido suas orações? Seria ele um enviado do céu pra ajudá-la? Um anjo amigo das galinhas pretas? Um admirador encantado com sua beleza? E com estes pensamentos passou a tarde. Imaginando de onde viria sua salvação!
Já quase desfalecendo de fraqueza, lá pelas 23 horas do mesmo dia, o tal senhor apareceu, agora sem o cão. E num arroubo de herói, subiu na árvore, o que fez Zulmira se assustar e voar para  o perigoso chão. Voar pra baixo sempre é mais rápido e fácil... O homem correu em seu encalço, pegou-a no colo, feliz, num abraço caloroso e  simpático.
Zulmira pensou: “Seria encaminhada para um outro despacho? Afinal era sexta-feira. Mas não, aquele homem a amava, dava pra perceber isso no aconchego de seus braços”. Foram caminhando pelas ruas escuras, por uns 5 quarteirões, chegaram a uma casa simples, mas repleta de bichos de todas as  espécies. O cão que conhecera pela manhã estava lá, além de outros dois. Havia gatos às pencas, pássaros variados, tartaruga, um papagaio falante demais. Havia o aroma delicioso de boa comida para bichinhos, havia calor e proteção, havia amor. Será que eu morri e não percebi? Pensou Zulmira. Será que assim é o céu dos animais? Será que este senhor é o próprio São Francisco, que me resgatou da morte por assassinato e agora vai cuidar de mim pra sempre? Ou será ele um galo diferenciado, que me adora e zelará por mim?
Ali Zulmira recebeu tudo de que precisava: ração, água, vitaminas, cama boa e quentinha,  e alguns vasos com plantas pra escarafunchar, areia pra ciscar, sol pra aquecer de dia, e telhado pra proteger de noite. Até remedinho ela ganhou, pois o Seu Chico achou que ela estava rouca e com o peito cheio, deu-lhe anti-bióticos na dose certa. Sarou, a voz voltou ao normal.
Sua vida agora está perfeita, põe ovos todos os dias, abastecendo a casa do Chico e dos amigos dele.  De vez em quando fica choca e murmura lá do seu ninho. Passeia pelo quintal, destroi um pouco as plantas, mas não faz mal, o anjo salvador não liga. Ela conversa sempre com ele, todas as manhãs, enquanto ele prepara seu desjejum: ração, comidinha de gente e corozinhos saborosos, guloseimas do céu. Ela agradece a ele por tudo, ele responde tentando aprender a lingua das galinhas pretas.
Agora só falta ela encontrar o galo-encantado e os filhinhos. Mas o Seu Chico está providenciando, se não conseguir um galo, pelo menos arrumará os ovinhos, galados já, pra que ela possa realizar seu sonho de ser  mãe.
Medo de galinha preta? Ninguém deve ter. A maldade está no espírito do  homem, que com a morte delas faz pedidos ilícitos, maldosos ou brutais. A pobre galinha aviltada, morre sem saber porque, numa cerimônia que não entende. As galinha pretas são simplesmente galinhas, podemos comer seus ovos e com elas conviver, sem temor, ‘granjeando’  sua amizade e companheirismo. As galinhas pretas não podem ser vítimas de preconceitos, assim como nenhum ser vivo sobre a terra.
A galinha preta Zulmira é pura, sonhadora, religiosa e feliz !

3 comentários:

  1. ahahahahaah elo , adorei a historinha , são francisco de joaquim...adorei!!!! parabéns!

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  2. Elô! Está ma-ra-vi-lho-so ! No seu melhor estilo ! Parabéns ! Eu já conhecia e achava incrível essa história mas NINGUÉM NO MUNDO seria capaz de contá-la como você ! Adorei !!! Quero mais ! Mil beijos pra minha escritora favorita, Vera

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  3. Obrigada meus amores!Voces me deixam vaidosa com estes comentários. Voces precisam continuar me contando as histórias de seus bichos, ela são o alimento dos meus escritos. Contem sempre, tá? Beijos, com muito carinho e agradecimento,
    Elô

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