quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Saudades

COTINHA     * 8.8.1928     + 24.12.2005
                                                                              

Há seis anos atrás, mamãe partia deste mundo, deixando-nos órfãos de sua companhia, mas não de seu amor, que temos certeza é eterno. Foi juntar-se a Deus, de quem de fato nunca se apartou, e a todos os nossos queridos que antes já haviam  nos deixado.
Encontrei na poesia de Geraldo Facó Vidigal, amigo, jurista e poeta, a homenagem  perfeita, que retrata o que Maria Dia Falcomer, Dona Cotinha, foi para todos nós. Agradeço a ele o empréstimo de seus inspirados versos.
Agradecemos a Deus pela  mãe-amor que tivemos a alegria ter. Que seu exemplo norteie sempre nossas vidas. Quem a conheceu pessoalmente, sabe  quão verdadeiras são estas palavras. Quem não teve este privilégio, poderá aqui  perceber  quão importante foi ela em nossas vidas.


Sê horizonte !
               Geraldo Facó Vidigal

Sê horizonte - vai à Luz -
Vê que o Céu, por ti,
estrela um último sorriso fugaz.
E deixa-te cerrarem os olhos.
Deixa-nos ficar e recostar,
terna, tua cabeça: Ali
no adentrar dos sonhos de coisas
singelas, simples, belas, onde
a luz eterna impede que anoiteça
esse teu sol! Fica em paz.
ficamos nós aqui - sós - mais
um pouco, um pouco só...

Ficamos. E ternamente. Felizes
apenas de lembrar tua presença
sorriso amor - tão doces -
palavras amenas, saber infindo de coisas
novas, como futuras ou antigas.
Arguto senso que - incessante - incensou
dias adentro sem haver noite, escuridão
ou negritude: paciência amiga, mansidão
ensinaste e humildade que praticaste,
ainda rasgada a alma, sofrias rindo.

Vieste. E agora, vai. Esperar.
irmãos, amigos, filhos; Encontrar
mães e pai e avós. E teus amigos...
Descansa agora. Deixa em Deus
o brilho de tua memória, que aqui sabem
de ti os teus e de teus escritos instigantes.
Tantos subimos e soubemos contigo vida
- apoiados em teus ombros - fortes -
em teu peito amigo, na doçura intensa
expressada na tua voz, nesses teus risos,
sorrisos e até no edificante Ofício de teus ritos.

Ficas! ...comigo, conosco... com todos nós!


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O melhor lugar

Um chalé para os amigos
                                                                                                   
Aposentadoria, novos rumos, escolhas, mudanças, indecisões,  pesquisas,  reflexões, conversas e mais conversas.....

Não vou dizer que é ruim, não é! Estar à frente de tantas possibilidades não deixa de ser instigante,  não deixa de ser um grande prazer ter   opões;  faz lembrar a criança em frente ao balcão de doces, na dúvida entre a escura bomba de chocolate e a colorida tortinha de morangos.....
Só que aos 60 anos qualquer escolha terá prazo de validade curto. Quanto se poderá usufruir da nova vida? Quinze anos? No máximo vinte? Então não dá tempo de passar cinco anos pensando e mudando de idéia.
O lugar escolhido para se passar o final da vida tem que ser ótimo, tranquilo, com os pequenos detalhes que fazem a felicidade, cercada do que mais gosto de ver e fazer, rodeada de bons livros, filmes e muita música maravilhosa. Mas, essencialmente, perto  das pessoas que amo: meu amor, minha família, meus amigos, meu cachorro e meu gato, o que ainda vou adotar.
O local, por si só, nada representa. Não é nada.... paisagens, isto é,  ninguém. A sua importância está diretamente ligada a quem eu gosto de ter como companhia. A sua beleza diretamente ligada às conversas, risos, lágrimas, olhares,  e tudo que faz a vida ter sentido e ser grande e prazeirosa.
Sempre amei as paisagens nos quadros, apenas o belo, estável  e descomplicado horizonte despovoado, mas não é assim que quero viver. Gostaria de montar um cenário perfeito para este final de existência  onde seria encenada a comemoração de tantos anos de alegria compartilhada, onde viriam todos para se deliciar com a maravilhosa  festa que é o encontro de almas afins,  gente com o coração grande, a alma terna e amiga,  gente com a mente aberta a novas reflexões e prazeres, gastronômicos, filosóficos, sensoriais, teológicos, numismáticos, pictóricos, fotográficos, visuais,  o que for. Gente mais velha, com suas recordações a serem divididas, ou gente jovem para injetar energia nas veias já lentas. Crianças a quem ensinar ou com quem aprender a pureza e sinceridade.
Sempre amei as pessoas, por toda a minha vida, nelas coloquei todas as minhas expectativas, sonhos, afeição e  amor. A elas me dediquei, ofereci meu tempo e meus pensamentos, minha preocupação e  meu carinho. Por elas e com elas fiz os planos do dia a dia e assim gostaria que fosse até o fim.  Não  gostaria de me separar de  ninguém, estar longe olhando as distantes montanhas ou contemplando o oceano sem fim. Tanto o mar quanto o floresta me são caros, mas apenas se puder ali estar com meus amores. Todos.
Espero assim poder, quando com meu novo status de aposentada,  não me afastar de ninguém. Não sou o ser humano que gostaria de ser faroleira, apenas com meu cão. Nem a  heremita que  mora no topo do monte com meu gato, estudando até o último dia. Nem  a sonhadora romântica que habita a cabana à beira mar com meu amor, e por ele vive e só com ele se satisfaz.
Certa vez fui chamada de “Flor do asfalto” por uma sábia senhora amiga. Mas não é a cidade grande em si que me atrai. É quem nela existe, pois foi onde vivi. É quem nela me fala de perto ao coração. Sou urbana porque social. No sentido mais puro da palavra: que ama a convivência com os meus semelhantes. E meus preferidos entre estes são meus amigos e  minha família !
Ao decidir onde gostaria de morar, me vejo cada vez mais perto de dizer que quero estar onde o povo está: este povo que admiro e  amo, que conheço bem e entendo, este povo que  é o resultado de tudo que plantei durante tantos anos:  a amizade  é  puro deleite, construída  com cada telefonema, cada visita, cada email, cada compartilhamento de situação importante na vida de cada um.
À minha família e aos meus amigos digo que quero estar por perto pra sempre. Que serão recebidos em minha casa a qualquer tempo. Para um cafezinho, um jantar, uma boa noite de sono. Para uma conversa franca. Ou apenas pra ouvir juntos uma música especial. Para um encontro de páscoa, de natal, de aniversário, um fim de semana prolongado, à sombra de uma árvore,  em espreguiçadeiras, água de côco e  castanhas de caju. O que acharem mais apetitoso.
Não deixem de aparecer por aqui. Venham ou me convidem para ir às suas casas, se preferirem ou precisarem. Mantenham contacto, pois farei o mesmo. 
Bem vindos à minha nova vida que se aproxima!!!


Eloísa Falcomer
São Paulo, 11 de 11 de 11

domingo, 23 de outubro de 2011

A tendência do brasileiro ao riso

Afinal,  quem é o palhaço?
                                                                  


                 Já disseram uma vez que o brasileiro não é um povo sério. Ao observar a postura atual das pessoas,  podemos dizer que isto é a mais pura verdade.
          Existe uma compulsão ao riso em praticamente todas as camadas da sociedade, uma predisposição em achar tudo muito engraçado, uma preocupação excessiva em procurar o lado jocoso de cada evento político ou social, uma tendência a se fazer piadas sobre tudo que acontece na vida da cidade, do país e do mundo.
                Imediatamente após um acontecimento noticiado nos jornais ou televisão, já surgem na internet, na imprensa, nas rodas de amigos,  chistes  ou  trocadilhos, usando sempre as novidades para gargalhar.
              Nunca vemos  a preocupação em se analisar o que ocorreu, em se esclarecer os fatos, verificar a veracidade ou a idoneidade da fonte, estudar as conseqüências, corrigir os erros para que não se repitam. O bom mesmo é fazer uma brincadeira em cima de tudo que acontece e pronto, está encerrado o assunto.
          Não há melhor hora para o crescimento do que nos momentos difíceis e problemáticos. Não há tempo mais apropriado para o desenvolvimento do que nas grandes crises. É nesse momento que o indivíduo deve se concentrar em mudar e melhorar, aprender e levar a sério o que aprendeu, estudar profundamente as causas do problema, detectar as falhas, fazer os ajustes necessários.
            Mas infelizmente não é isso o que ocorre. Sempre aparecem os engraçadinhos que acabam fazendo um enorme sucesso perante um grupo. Passam a ser esperados ansiosamente para alegrar as vidas daqueles pouco criativos, que apenas ouvem e morrem de rir. Esse piadista passa a ser a pessoa inteligente e esperta, aquela que sabe de tudo e é rápida em inventar mais uma porção de anedotas.
          Os mais sérios são considerados os chatos e macambúzios, caretas e quadrados,  que não têm senso de humor e que deveriam ter ficado em casa, que sofrem de depressão, que são mal amados, que não têm amigos, que não tem ninguém.
          Não sou defensora da seriedade exacerbada, há que haver equilíbrio. Há momentos para tudo, e não o pensamento focado somente no que é livre, leve e solto, não só no descomprometimento e descontração.
          Tenho reparado, ao assistir peças de teatro, óperas, palestras e entrevistas, as pessoas ficrem tão ávidas pelo riso, que riem até mesmo do que não é risível, acham graça do trágico, chegam a gargalhar simplesmente por ouvir um palavrão. Interpretam erroneamente comentários elevados, transformando tudo em brincadeira, tornando comédia o que quer que seja. Apresentadores de televisão fazem perguntas absurdas só para que a resposta seja mais engraçada. Intelectuais são muitas vezes ridicularizados para que suas entrevistas se transformem em grandes piadas, acabam muitas vezes passando por idiotas, rasos, sem imaginação, o oposto do que são realmente.
           O brasileiro precisa aprender a discernir o que é sério do que é piada,  precisa reconhecer o que é falado para seu desenvolvimento do que é engraçado,  necessita perceber que seriedade não é sinônimo de  chatice ou impopularidade. Que encarar os problemas de frente e buscar soluções não diminui ninguém. Há um momento para cada coisa. Estudar e aprender não transforma as pessoas em aberrações. Infelizmente ser sério está fora de moda.
           O brasileiro precisa crescer e parar de tentar ser uma criança para sempre. Brincadeiras têm limite. E limite é uma coisa que o brasileiro não   tem !!!



Eloísa Falcomer
São Paulo, 20 de julho de 2007

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Apologia da criação e da vida

Arnaldo Falcomer



Esta oração foi extraída de um discurso de Arnaldo Falcomer, meu pai, realizado no dia 23 de março de 1990, na Loja Maçônica Lord Baden Powell, ocasião em que ele estava sendo homenageado, por inúmeros trabalhos realizados.

           "Oh Grande Arquiteto do Universo! Tu me criaste achando que de alguma forma minha presença entre os homens seria compensadora, embora Teu projeto não tenha sido inteiramente realizado. Eu Te causei muita decepção. Mas, para um espírito pobre, até que fiz muito! Fracassei em muitas coisas. Quem sabe se em oito ou dez vidas conseguirei atingir o que esperavas de mim. Não devo ser ingrato, agradeço teres me colocado num lar humílimo, mas honrado. Jamais na minha casa encontrei rejeição aos meus costumes, minhas idéias. Jamais conheci a infelicidade, porque aprendi a não ter inveja. Nunca experimentei o menosprezo, porque me puseste do lado de irmãos, tios, avós, primos, colegas de escola e de trabalho que sempre demonstraram acatamento e respeito a mim. Conheci desde cedo, que, sem ser cobiçoso, algum progresso atingiria por meios próprios e honestamente. Posso não ter atingido os níveis que esperavam de mim, por ser alma pequena, mas minha intenção sempre foi a de construir, de participar, de colaborar.
           Criaste o homem, Supremo Arquiteto, para que ele realize e cresça, para que ele supere a si mesmo e construa um mundo melhor. Daí eu sentir a tremenda responsabilidade que está sobre meus ombros. Por que percebo que minha vida se esvai e pouca coisa mais poderei fazer. Só uma coisa posso transmitir de muito oportuno aos mais moços que eu: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias”, mensagem presente em nossos rituais. Façam agora, porque amanhã pode não haver oportunidade nem condição.
           Grande é meu débito pelo que não fiz em muitas áreas de interesse da Humanidade. Meus amigos, que são meus credores pelo que não realizei, são por demais complacentes.
           Sou grato a Ti, Grande Arquiteto, pela descomunal tolerância que tens para comigo. Sou muitíssimo agradecido  aos meus amigos e extremamente feliz por não ter de quem me queixar. Sou grato a Ti por eu ter sido colocado em caminhos onde encontrei por espelho Homens de estatura moral elevada, almas nobres, tipos altivos, seja no âmbito da Maçonaria, do Escotismo, no mundo religioso e na atividade profissional.
           Faço esta exaltação a Ti, Grade Arquiteto de Universo, porque sois a expressão da Vida, Vida Universal, Vida Eterna!
          Vida entre amigos, vida entre irmãos, pulsação infinita, calor humano, calor sideral, calor celestial, calor Divino!
          Graças Te rendemos, Oh Grande Arquiteto do Universo! Assim Seja!”

Arnaldo Falcomer





quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A arte e a loucura

                                                                                 

               Os artistas caminham num  mundo paralelo ao real, rodeados de possibilidades de fuga do mundo das coisas tangíveis, cercados por encantamentos e magias que o palco oferece. Livres pra voar nas palavras que escolher em sua poesia ou prosa.  Cercados pela argila maleável que tudo permite o moldar.  Frente às telas  onde o possível não tem limites, onde a cor e a forma ficam ao seu dispor, em cada pincelada aleatória ou não. Música e movimentos delineiam a dança conforme comando do corpo, ao seu bel prazer.
                    A técnica possibilita mais liberdade,  não deve cercear a criação artística. Serve apenas como a base onde se apoia o sonho e a fantasia. A mente do artista viaja por caminhos inusitados, na medida em que galga a sabedoria gerada pelo livre pensar e sentir. A alma, enriquecida de sensibilidade artística, passeia pelos caminhos que surgirem em seu imaginário, criando do nada a estrada que desejaria ter à sua frente. O espírito se eleva às nuvens do sonho, conhecendo novas luzes e sombras,  se veste e se despe da roupagem que melhor lhe aprouver. Num transe em que todas as ficções se tornam paupáveis, em que dois mundos se misturam em tanta intensidade, que num átimo não se sabe mais o que existe e o que é puro delírio.
                    O palco vazio, a tela ou papel em branco, o barro, potes de tinta, pinceis, canetas, instrumentos musicais, não importa o meio, todos abrem um leque de riquezas que trazem em si o imenso gozo de ver surgir a arte em todo seu esplendor, na significância de cada detalhe, ou na importância do conjunto da obra. Um mundo novo se descortina quando o artista abre sua mente à simples ideia: sou um ser livre e posso transmitir o que sinto, sou um ser humano disposto  a novos olhares e posso expor o que penso e sei, ou penso que sei.  Quanto maior a certeza de estar certo, maior a chance de expandir horizontes, os tímidos ficam tolhidos pelo real, os confiantes, livres das amarras de críticas, alçam vôos mais altos, e terminam por realizar coisas inimagináveis.
                    Mas, pelos caminhos das  cidades, rumando aos palcos e galerias, confronta-se o artista com a  realidade do mundo, com  o feio, com a pobreza,  o aviltamento, a censura, o descaso, a mentira, a maledicência, a inveja, o ciúme, a ira, a sujeira, os maus tratos, e, o que mais de negativo existe, esbarra nele e o faz rever suas posições , reavaliar suas orientações. Este não é o mundo dele. Esta não é a sua “realidade”, que de tão etérea, se distancia de tudo que é negativo. Que de tão perfeita e pura, não se amalgama com tudo que existe lá fora.
                    Assim ele tem a tendência de se afastar do chão e cada vez mais voar pra longe do real. Aprisiona-se dentro de si mesmo, buscando a sua verdade, distancia-se de amigos, no afã de primeiro entender-se.  Quem alcançaria a  riqueza escondida dentro de si? Quem o saberia detentor de tantas belezas ou dúvidas e incertezas? A liberdade do pensar tráz a euforia e alegria de caminhar mais além. Mas quem pode  acompanhá-lo nesta jornada, além de si mesmo?
                    Daí sua solidão e isolamento, sua necessidade de estar com o seu material de trabalho, livre para exprimir-se, sem interferêcias, sem distrações, sem que nada perturbe seu discurso, tão claro em sua mente, mas ao mesmo tempo exigindo extrema concentração e esforço ao ser parido. A ideia fixa da sua verdade grita em sua mente, pedindo galgar o mundo. A beleza idealizada se expande e necessita brotar pra fora de si, pede exteriorização, clama por escapar do claustro em que vive na sua alma. A luta que ele  trava internamente é intensa,  dificilmente avaliada pelos que o circundam. Tempos de conflitos interiores, tempos de dúvidas, tempos de questionamentos. E de um caminhar que beira a loucura. Álcool, drogas, sexo, depressão, muitas vezes permeiam os dias conturbados nesta busca insana, se confundem com o que ele pensa de si, e como  os outros o vêem. Encontrar a expressão exata do que sente consome suas horas, seus dias, esquece-se de comer e de dormir, mergulha  no afã da busca e não se lembra mais de nada e de ninguém. Sua mente oscila entre a auto-estima baixíssima e o ego inflado, entre tais altos e baixos o artista está constantemente nesta vertiginosa e nefasta corrida por uma montanha russa, perdendo a noção do que realmente é e vale, do que merece usufruir; num dia, rico, no ano seguinte paupérrimo. A velhice o assusta, a perda da beleza o enlouquece; o espelho o avisa e ele se apavora tentando se agarrar ao que pode; a flacidez muscular ameaça sua flexibilidade, e o tremor das mãos impede gestos precisos; a visão se turva, o ouvido ensurdece , a voz emudece, e a catástrofe se avizinha, ameaçando todo seu trabalho. O medo passa a ser seu companheiro diário.
                    Quem poderá compreender esta pessoa artista, que é um amontoado de tantos conflitos internos? Como poderão conviver com o ser que se isola e se perde em meio aos seus próprios questionamentos? Quem  dará as mãos a alguém que pouco procura por elas? Quem conseguirá compartilhar este caminho com ele?
                    Nessa busca incessante, lidando com empresários, marchands, diretores e produtores, surgem os embates, desafios, tão afastados e estranhos ao imenso mundo de sonho do artista. A sobrevivência, na forma de alimentação, moradia e saúde,  impõe acordos, estabalece limites, cerceia atitudes espontâneas. Este confronto com o vil metal não se coaduna com o belo, não se afina com a meta de encantar olhos e ouvidos, ávidos por encantamento e deleite, prazer puro de admirar  a criatividade e o desempenho do artista, despertamento de olhares novos, de ideias supreendentes, desabrochar de  inéditas abordagens ao que já foi visto e ouvido antes. O  pagamento justo da arte pode ser calculado, traduzido em cifrões? Quem tem esta capacidade verdadeira de aferir valores a uma conquista critativa?
                                                                                      
                    Aos que caminham de mãos dadas com as artes e a insanidade, os meus votos de satisfação com suas obras, meus desejos de um encontro pessoal e perfeito com o Belo  que emanou de sua sensibilidade e de  sua derterminação de alcançá-lo.  Bons augurios em sua peregrinação por este mundo cercado de flores e de espinhos, povoado de inteligências e ignorâncias, mesclado de ápices e  depressões. Que a alegria infinita das conquistas sobrepuje a melancolia das frustrações. Que cada passo justifique a busca e traga grandes momentos de encontro com voce mesmo, no seu eu mais profundo e verdadeiro. Que a arte possa trazer prazer e alegria suficientes  para equilibrá-lo e torná-lo mais confiante que sua missão está sendo cumprida e que seu talento não esteja sendo desperdiçado. Que haja aceitação e alguma recompensa; aplausos e reconhecimento de seus méritos; que sua criatividade possa estar debaixo de holofotes inteligentes, que enriqueçam seu trabalho e sua arte. Se não hoje, ao menos um dia enfim, como aconteceu com tantos mestres da criação artística.


                                      Eloísa Falcomer
                        São Paulo, 5 de setembro de 2011
                        

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Aprendendo com Platão


Saindo da caverna
                                                                                                       
Alegoria da caverna


Imagine alguns homens vivendo em uma moradia em forma de caverna, com uma grande abertura do lado da luz. Encontram-se ali desde a sua meninice, presos por correntes que os imobilizam totalmente e de tal modo que não podem nem mudar de lugar, nem volver a cabeça e não vêem mais que aquilo que lhes está na frente. A luz lhes vem de um fogo aceso a uma certa distância, por trás deles, em uma eminência do terreno. Entre esse fogo e os prisioneiros há uma passagem elevada, ao longo da qual imagine-se um peque­no muro, semelhante aos balcões que os ilusionistas levantam entre si e os assistentes e por cima dos quais mostram seus prodígios. Pensa agora que ao lado desse muro alguns homens levam objetos de todos os tipos. Tais objetos são levados acima da altura do muro e os homens que os transportam alguns falam, outros seguem calados. Os prisioneiros, nessa situação, jamais viram outra coisa senão as sombras, jamais ouviram outra voz senão os ecos que reboam no fundo da caverna. Falarão das sombras como se fossem objetos reais, terão os ecos como vozes verdadeiras. Esses estranhos prisioneiros são semelhantes a nós, homens. Pensa agora no que lhes acontecerá se forem libertados das cadeias que os prendem e curados da ignorância em que jazem. Se um dentre eles se levantar e volver o pescoço e caminhar, erguendo os olhos para o lado da luz, certamente tais movimentos o farão sofrer e a luz ofuscar-lhe-á a visão e impedirá que ele veja os objetos cuja sombra enxergava há pouco. Ficará deveras embaraçado e dirá que as sombras que via antes são mais verdadeiras que os objetos que são agora mostrados. E se tal prisioneiro, arrancado à força do lugar onde se encontra for conduzido para fora, para plena luz do sol, por acaso não ficaria ele irritado e os seus olhos feridos? Deslumbrado pela luz, porventura não precisaria acostumar-se para ver o espetáculo da região superior? O que a princípio mais facilmente verá serão as sombras, depois as imagens dos homens e dos demais objetos refletidos nas águas, e finalmente será capaz de veres próprios objetos. Então olhará para o céu. Suportará mais facilmente, à noite, a visão da lua e das estrelas. Só mais tarde será capaz de contemplara luz do sol. Quando isso acontecer reconhecerá que o sol governa todas as coisas visíveis e também aquelas sombras no fundo da caverna.
Platão

"Para explicar o momento de passagem de uma grau de conhecimento para o outro, no Livro VII  da República, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da paidéia platônicas."

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A alegria, a felicidade

Amigos confabulando  ICATU - CAMPOS DO JORDÃO

A alegria, a felicidade

“Saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade”
Georges Bernanos -  Escritor e jornalista frances (20.2.1888/5.7.1948)


          A busca da felicidade tem sido tema recorrente na literatura, teatro, cinema, ópera, filosofia, psicologia, etc. O ser humano pensante tenta encontrar caminhos que levem ao encontro do significado ou sentido da vida, e do verdadeiro encontro com a felicidade.
          A meu ver,  observadora do ser humano que sou, a felicidade está na busca, no caminho a percorrer, está no que podemos realizar a cada momento, cada qual utilizando os melhores dons ou bens de que dispõe  na ajuda ao próximo, na alegria de seus irmãos, na solução de problemas simples de quem nos cerca, na alimentação de quem tem fome, no aconselhamento de quem se encontra indeciso e pede ajuda, na doação de vestimenta aos que passam frio, no abrigo a quem não tem teto, no abraço fraterno a quem se sente só, no sorriso carinhoso a quem está passando ao seu lado, enfim, no gesto ou palavra de amor ao seu semelhante. E tudo isso visando o ato em si, a alegria de ver o outro alegre, não a recompensa, não o retorno, não o reconhecimento. Tudo isso feito indiscriminadamente, livre de preconceitos. Simplesmente porque amar faz bem ao nosso coração.
           Pequenos gestos, como dar as mãos, podem significar muito mais, quando gera o companheirismo num momento de sofrimento ou dor. Um olhar sincero e cúmplice acalenta a alma e por si só passa a mensagem de que estamos ali ao lado, para o que der e vier. O mais simples aceno, o sorriso franco, o abraço, o beijo, podem trazer calor à alma, causar alegria, em quem dá e em quem recebe: pode haver coisa melhor do que compartilhar sentimentos bons? Pode haver sensação maior de alegria do que na reciprocidade de emoções? É sempre uma via de mão dupla, um espelho que reflete o que se mostra a ele.
            Uma conversa tranquila com um amigo, a quem temos oportunidade de  conhecer melhor, oferecer ideias, elucidar dúvidas das mais variadas, aprender um com o outro, usufruir das experiências do outro, congregando a mesma fé ou não, tentando entender as diversas formas de agir e de pensar, é nestas conversas que estabelecemos a amizade e com ela vem a alegria, e decorrente disso a felicidade. É na troca de palavras  sinceras que a amizade aflora, na confiança repartida que ela se eterniza, no caminhar junto, mesmo que por caminhos diversos que ela se estabelece, e trás mais significado à vida.
            O ser humano é gregário por natureza, e nestes encontros felizes surgem a justificativa, a explicação e o estabelecimento dos vínculos que norteiam nosso viver, nestes encontros temos a oportunidade de aprender, crescer, evoluir, nos desenvolver intelectual, emocional e espiritualmente. Temos a chance de tentar ver o mundo pelo olhar do outro, abrindo e ampliando nossos horizontes. E a cada passo dado, de mãos dadas com o amor incondicinal, caminharmos tendo a felicidade ao nosso lado, em todo tempo, a cada minuto.

                                                   Eloísa Falcomer
                                       São Paulo, 21 de agosto de 2011.

sábado, 20 de agosto de 2011

Paixão politicamente incorreta


                                 
               Quanta saudade...!  Sinto sua falta a cada instante, sinto seu perfume e me lembro de quando convivia com você diariamente.
          Quanta tristeza quando nos separamos, quantos momentos angustiantes, que solidão acompanhou o seu afastamento. Havia momentos em que pensava em reassumir a paixão, mas lembrava-me das conseqüências de tal decisão, dos males da sua presença em minha vida.
                 Agora, longe de você há tanto tempo, fico pensando o quanto perdi em abandoná-lo, fico tentando me convencer que foi o melhor que poderia ter feito, fico rememorando quanto sua companhia me acalmava e ao mesmo tempo me excitava.
              Todos me apoiaram e se solidarizaram com minha tomada de consciência e efetivo desligamento de você e da vida que juntos usufruíamos. Éramos felizes, fazíamos um belo par, você incensava meu mundo, você preenchia um vazio em mim, que à pouca coisa podia se equiparar.
                  Hoje sem você, penso no quanto me satisfazia, entrando em mim, etérea e  suavemente, invadindo cada célula, cada gota de sangue, com a química que sempre houve entre nós. E ficava inebriada, feliz e plena, o desejo realizado, a paixão viciante que quando saciada entontecia e praticamente me deixava sem fôlego.
              Lembro de você e o quero de volta, dúvidas povoam minha mente, transtornada me remeto ao tempo em que nosso dia a dia era povoado de momentos de prazer. Tenho que repensar se vale a pena manter-me afastada de você, tenho que reavaliar o quanto essa distância é nociva e o que aconteceria se voltássemos a conviver.
             A grande preocupação é com a opinião dos outros, infelizmente. Tenho que assumir que fico preocupada com isso, é uma fraqueza, é uma falha de personalidade, mas as pessoas opinam, se intrometem, se julgam no direito de julgar o que é bom e o que é ruim para mim. Deixo-me levar por essas opiniões, deixo-me influenciar pelos palpiteiros, e eles querem nossa separação.
              Vou mostrar que quem manda em minha vida sou eu, e eu quero você, preciso de você, sem você me sinto só...
                Agora basta. Não quero mais esse negócio de você longe de mim.
          Chega de saudade...  Está decidido.  Vou voltar a fumar !

                                                                              Eloísa Falcomer
                                                          São Paulo, 29 de maio de 2008

Este texto foi escrito para um concurso literário do Jornal O Estado de 
São Paulo, cuja frase/tema, que  deveria constar do corpo do texto, era : 
"Naõ quero mais esse negócio de voce longe de mim". 
O concurso era comemorativo dos 50 anos da nossa Bossa Nova !

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O papel marcante no palco

Opera  "Olga"  de Jorge Antunes
                                                              
Em quase 30 anos vivendo a cantar no Teatro Muncipal de São Paulo,  tive a oportunidade de vivenciar vários papeis. Papel   de  mulher da vida, com glamour e luxo em "La Traviata", de mulher do povo, com  pobreza, suspense  e medo em "Turandot", de  cigana com sensualidade  e  alegria em "Carmen", de freira, com  religiosidade e meditação em "Suor Angelica". E assim por diante, em dezenas de óperas ali encenadas.
 Mas o papel , que trouxe em si uma verdade histórica tocante,  foi a de prisioneira  na ópera  “Olga”, de Jorge Antunes! No primeiro ato o coro fazia o papel de funcionários russos datilografando freneticamente num grande escritório. No segundo ato se transformava em  presos polítcos, juntamente com Olga, no Brasil. E no final da ópera, a cena mais impressionante que vivi, o papel  inesquecível, na veracidade e tragédia da prisão e extermínio de tantos judeus na Alemanha,  me remeteu a um passado não muito distante, que deve ser lembrado sempre,  para que não mais se repita.
 Estava vestida com uniforme de grandes listras, estrela amarela no braço,  roupa imensa para que parecesse magra, tôca cor da  pele  para que a cabeça se afigurasse raspada, maquiagem que tornava o rosto abatido, os olhos fundos com olheiras colossais, rugas profundas desenhadas ao redor do nariz e  boca, descalça. Era a desolação em pessoa, o olhar embaçado e triste, o caminhar lento e desesperançado, os ombros caídos, pela dor e sofrimento, o desalento e o medo presentes em cada suspiro. Em fila caminhei com minhas companheiras de infortúnio, adentrando uma grande sala não muito iluminada, soldados das SS fiscalizando nossa direção e obediência,  homens altos e temerosos, de olhar frio e coração de pedra, suástica no braço. E conforme caminhava bem lentamente, uma fumaça vinha ao nosso encontro: era a morte que nos esperava, a morte que seria inalada obrigatoriamente, a morte, quase uma benção,  em meio a tantos sofrimentos, desaparecimentos, abusos, tristezas e humilhações. Enquanto isso Olga entoava sua longa e melancólica  canção, para ao fim, juntar-se à fila e  morrer também.
O interessante é que, na magia do palco, em todas as apresentações, senti-me de fato judia. Descriminada, pelo nascimento. Condenada, sendo inocente. Ignóbil morte prematura, cruel destino. Foi sem dúvida, em tantos anos, o meu papel marcante. Sentia-me oprimida e injustiçada, a cada récita, chorava sem lágrimas, sentia o coração se acelerar, prevendo o que viria a seguir, não tinha forças para tentar reagir, não havia como, o corpo não me obedeceria, um passo após o outro, seguia rumo à morte. Após sair de cena levava muitos minutos para respirar normalmente, levava horas para retornar à realidade – era apenas teatro. Mas ao deitar minha cabeça no travesseiro, já em casa, confortável e alimentada, o peso da história me oprimia o peito, e sabia que no dia seguinte caminharia novamente para a morte na câmara de gás. E mais uma vez sair para a coxia, envolta em angústia e  melancolia.

      O palco nos proporciona estes momentos surpreendentes, quando papeis nos são  dados, e os vivenciamos, como se  os tivessemos experimentado verdadeiramente, não a ficção, não a ópera, não a arte, mas o mundo real em nossas mãos, dando a cada um que ali está, a grande oportunidade de sentir o que nunca se sentiu, de  ver o que não se viu, de andar por  onde nunca se esteve, de se emocionar com os sentimentos genuínos dos  quais apenas ouviu falar, de trazer para a realidade do palco o que  só era vislumbrado através de relatos históricos.



                                                           Eloísa Falcomer
                                                 São Paulo, 12 de agosto de 2011.



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O abraço, a proteção !


A natureza ensina

                                               
 
O abraço dos pais, dos amigos, dos amores, reconforta, fortalece. Cria vínculos fortes, suscita o amor, a fraternidade, o companheirismo. O abraço aquece, enternece, acarinha, delicia, inebria, alegra. Estabelece a proximidade que une corpos e almas. O abraço longo, duradouro, eterno, onde dois seres  viram um, acalenta o coração, sereniza a mente, imprime coragem. O abraço: melhor expressão física da união espiritual, melhor forma de começar a concretizar a solidariedade ! 

Eloísa Falcomer  8.8.2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Fernando Pessoa 1888-1935

Túmulo de Fernando Pessoa em Lisboa
Fernando Pessoa













Ânsia do ser



Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo, 
E a noite chega sem que eu saiba bem, 
Quero considerar-me e ver aquilo
Que sou, e o que sou o que é que tem.


Olho por todo o meu passado e vejo
Que fui quem foi aquilo em torno meu,
Salvo o que o vago e incógnito desejo
De ser eu mesmo de meu ser me deu.


Como a páginas já relidas, vergo
Minha atenção sobre quem fui de mim,
E  nada de verdade em mim albergo
Salvo um ânsia sem princípio ou fim.


Como alguém distraído na viagem,
Segui por dois caminhos par a par.
Fui com o mundo, parte da paisagem;
Comigo fui, sem ver nem recordar.


Chegado aqui, onde hoje estou, conheço
Que sou diverso no que informe estou.
No meu proprio caminho me atravesso.
Não conheço quem fui no que hoje sou.


Serei eu, porque nada é impossível,
Vários trazidos de outros mundos, e
No mesmo ponto espacial sensível
Que sou eu, sendo eu por 'star aqui?


Serei eu, porque todo o pensamento
Podendo conceber, bem pode ser,
Um dilatado e múmuro momento,
De tempos-seres de quem sou o viver?


DeFernando Pessoa   -   Cancioneiro

domingo, 31 de julho de 2011

A história de Zulmira, a galinha preta

Zulmira
                                                                          
 Era uma vez, numa cidade grande, no século XXI, muito poluída e  carente de paisagens bucólicas e pastoris, trânsito congestionado, ruídos ensurdecedores, correria de gente  pelas ruas, onde a galinha preta, sabe-se lá como, foi parar. Era a Zulmira, muito pretinha, alta e magra, penas brilhantes, furta-cor, uma galinha feliz e sonhadora, que logo ao nascer foi separada de sua família para fins desconhecidos, por ela e por todos seus irmãozinhos. Quinta-feira, no exílio de um caixote de madeira, amarraram-lhe uma fita preta no tornozelo e ela pensou: “puxa, que beleza, uma pulseira que combina com o tom da minha pele, como sou felizarda por ter sido escolhida entre tantos, por ser a mais bela, agraciada com ornamento gracioso, apartada, talvez por ter as qualidades que os outros não têm...”.
No decorrer do dia foi elucubrando as mais deliciosas fantasias de uma galinha: ganhar corozinhos pra comer, passear pelos campos, livre e leve, e talvez por ali conhecer o galinho mais bonito da redondeza, o mais forte e carinhoso, mais astuto e leal, botar belos ovinhos que gerariam pintinhos, tão sortudos quanto ela, ter uma bela árvore pra morar e proteger do sol e da chuva, segurança almejada pelos seres viventes, paz ansiada desde sempre. Que felicidade ser uma galinha preta, diferenciada e reconhecidamente mais querida por todos.
Mas por volta da hora do almoço ouviu os seres humanos, em grande atividade ao seu redor comentando: “Voce já preparou a galinha preta pra amanhã? Já amarrou a fita? Preciso dela lá pelas seis da tarde, pra organizar o trabalho, virei buscá-la para o despacho!”.
Quando Zulmira ouviu esta palavra, veio-lhe à mente o conhecimento atávico que todas as galinhas pretas intuitivamente já têm, passados desde tempos imemoriais por seus antepassados: “Agora já sei !!! Vão tentar me matar amanhã, sexta-feira, à noite”. Que poderei fazer? E meus sonhos e quimeras, meus desejos de um futuro feliz ao lado do meu galo-encantado e de meus filhinhos graciosos?
Zulmira pôs-se a pensar um pouco, tentando encontar uma saída para a situação, buscando uma rota de fuga, examinando o entorno, avaliando possibilidades e sua autonomia nas parcas técnicas de vôo. Fez cálculos matemáticos, estatísticos, aerodinâmicos, espaciais, e concluiu: “Se eu me alçar na direção daquela árvore que existe por trás deste muro ao lado do caixote, pode ser que consiga mudar meu destinho, que consiga alcançar a vida,  a liberdade sonhada e ao fim a realização de meus desejos mais queridos.
Fez uma prece pedindo forças e proteção aos espíritos dos antepassados desaparecidos na mesma situação, pediu energia para sua fraca musculatura de pernas e asas, e após contagem regressiva, lançou-se ascendentemente no ar, com toda a motivação necessária para bem concluir seu ato.
Conseguiu ! Lá estava ela, na árvore, sã e salva, cansada a não mais poder, mas orgulhosa de si mesma. Se sua mãe soubesse o que havia feito, de certo ficaria orgulhosa. Mas outro problema se apresentava: o que fazer dali pra frente? Como sobreviver nesta rua inóspita? Mas, como galinha inteligente que era, Zulmira resolveu descansar por uma noite, no dia seguinte, mais revigorada, pensaria numa solução, pois o mais difícil e inacreditável ela já havia feito.
Logo que amanheceu, foi acordada pelo ruído de um cão que se aproximava, junto a um  homem grisalho, passeando calmamente pela calçada. O cão não a viu, mas o homem, afeito a todos os animais, mas especialmente a galinhas, nela fixou o olhar por uns minutos, logo após indo embora. Zulmira, a sonhadora, pensou que feliz era aquele cão, livre, sem coleira, ora caminhando ora correndo, com seu amigo. Ah...queria isso pra mim.....
Por volta do meio dia, Zulmira, já com fome e sede, novamente avistou a mesma dupla que ali passara pela manhã. Mais uma vez o cavalheiro parou e admirou-a por alguns minutos. Mais uma vez ela percebeu no olhar dele aquele brilho da amizade e do carinho. Será que São Francisco teria ouvido suas orações? Seria ele um enviado do céu pra ajudá-la? Um anjo amigo das galinhas pretas? Um admirador encantado com sua beleza? E com estes pensamentos passou a tarde. Imaginando de onde viria sua salvação!
Já quase desfalecendo de fraqueza, lá pelas 23 horas do mesmo dia, o tal senhor apareceu, agora sem o cão. E num arroubo de herói, subiu na árvore, o que fez Zulmira se assustar e voar para  o perigoso chão. Voar pra baixo sempre é mais rápido e fácil... O homem correu em seu encalço, pegou-a no colo, feliz, num abraço caloroso e  simpático.
Zulmira pensou: “Seria encaminhada para um outro despacho? Afinal era sexta-feira. Mas não, aquele homem a amava, dava pra perceber isso no aconchego de seus braços”. Foram caminhando pelas ruas escuras, por uns 5 quarteirões, chegaram a uma casa simples, mas repleta de bichos de todas as  espécies. O cão que conhecera pela manhã estava lá, além de outros dois. Havia gatos às pencas, pássaros variados, tartaruga, um papagaio falante demais. Havia o aroma delicioso de boa comida para bichinhos, havia calor e proteção, havia amor. Será que eu morri e não percebi? Pensou Zulmira. Será que assim é o céu dos animais? Será que este senhor é o próprio São Francisco, que me resgatou da morte por assassinato e agora vai cuidar de mim pra sempre? Ou será ele um galo diferenciado, que me adora e zelará por mim?
Ali Zulmira recebeu tudo de que precisava: ração, água, vitaminas, cama boa e quentinha,  e alguns vasos com plantas pra escarafunchar, areia pra ciscar, sol pra aquecer de dia, e telhado pra proteger de noite. Até remedinho ela ganhou, pois o Seu Chico achou que ela estava rouca e com o peito cheio, deu-lhe anti-bióticos na dose certa. Sarou, a voz voltou ao normal.
Sua vida agora está perfeita, põe ovos todos os dias, abastecendo a casa do Chico e dos amigos dele.  De vez em quando fica choca e murmura lá do seu ninho. Passeia pelo quintal, destroi um pouco as plantas, mas não faz mal, o anjo salvador não liga. Ela conversa sempre com ele, todas as manhãs, enquanto ele prepara seu desjejum: ração, comidinha de gente e corozinhos saborosos, guloseimas do céu. Ela agradece a ele por tudo, ele responde tentando aprender a lingua das galinhas pretas.
Agora só falta ela encontrar o galo-encantado e os filhinhos. Mas o Seu Chico está providenciando, se não conseguir um galo, pelo menos arrumará os ovinhos, galados já, pra que ela possa realizar seu sonho de ser  mãe.
Medo de galinha preta? Ninguém deve ter. A maldade está no espírito do  homem, que com a morte delas faz pedidos ilícitos, maldosos ou brutais. A pobre galinha aviltada, morre sem saber porque, numa cerimônia que não entende. As galinha pretas são simplesmente galinhas, podemos comer seus ovos e com elas conviver, sem temor, ‘granjeando’  sua amizade e companheirismo. As galinhas pretas não podem ser vítimas de preconceitos, assim como nenhum ser vivo sobre a terra.
A galinha preta Zulmira é pura, sonhadora, religiosa e feliz !

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Essenciais palavras

Livro antigo
                                                                               
Vamos esclarecer uma dúvida que é quase geral: antes que digam que estou dando mau exemplo, sim, eu sei que ELUCUBRAÇÃO se escreve com 'u', mas tem gente que não sabe. É apenas uma brincadeira para agregar meu apelido ao vocábulo!!!
Significado da palavra: consumir noites estudando algo; criar algo com esforço, muita meditação; especular, pensar muito sobre algo. ( Houaiss, Dicionário da Lingua Portuguesa).
Os brasileiros gostam de usar palávras ditas difíceis, para impressionar, passar uma imagem de erudição e grande cultura. Mas devemos tomar cuidado com elas, e a melhor forma é usando bons dicionários. Aprendi com meu pai a usá-los sempre, que carinhosamente os chamava de Pai dos Burros. Mas estava errado, na verdade é o Pai dos Sábios.
Em minhas palestras a estudantes de primeiro e segundo graus, analisando a redação, montagem e edição de um livro, costumo dizer que o melhor amigo do escritor é o dicionário. Deve ser consultado sem preguiça, sempre que uma dúvida surge. Incentivando as crianças a bem escrever e falar, podemos prepará-las melhor ao bom desempenho de várias carreiras,  pois a boa comunicação faz parte de muitas delas. Mesmo no convívio social, o correto uso da linguagem facilita o entendimento entre os seres humanos, não dando margem a interpretações errôneas; a lingua portuguêsa é muito rica, plena de vocabulário específico para cada ideia a ser comunicada. Quando bem falada nosso lingua é fabulosa para descrição de quaisquer temas.
 Acrescento sempre também que uma das melhores formas de se desenvolver um bom linguajar, com fluência e inteligibilidade, é ler sem cessar. Além do aproveitamento da mensagem em si, o hábito da leitura acrescenta sempre o inestimável desenvolvimento do conhecimento dos termos mais variados e seus corretos usos. Desde que seja feita uma escolha eficiente dos livros a serem lidos. Para todos os gostos existem livros maravilhosos à disposição, tanto nas livrarias como nas bibliotecas. Outra forma, que muito aprecio, de ter acesso a eles, é através da troca de livros entre amigos, contanto que sejam devidamente devolvidos. Hoje em dia, o advento dos e-books, para os que gostam de tecnologias modernas, trás uma possibidade a mais.
Os livros são uma excelente companhia, podem ser  professores de história, geografia, sociologia, psicologia, biologia, etc. Eles nos fazem viajar, mesmo que permaneçamos em nossa sala. Eles nos levam a pensar, mesmo sem perceber. Nos fazem sonhar, embora acordados. São fontes inesgotáveis de sabedoria e conhecimento.
Presenteie com livros, e se não souber escolher segundo o gosto do presenteado, dê um vale livro, à disposição em várias boas livrarias. 
Incentive filhos e netos a lerem mais! E não se esqueçam de muni-los de bons dicionários, não deixando apenas à internet a missão de esclarecer grafias e significados. 
Vamos ensinar as crianças  o bom Português !!!

"Um país se faz com homens e livros"  - Monteiro Lobato

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domingo, 24 de julho de 2011

Que bom que voce veio !!!

Campo florido
Queridos amigos, sejam todos bem vindos ao meu blog, que hoje faz sua estreia. Nele editarei meus textos, que versam sobre as questões mais relevantes que permeiam nossas vidas, exporei o resultado de leituras e estudos, poesias e textos de amigos que também escrevem, e fotos de pinturas e esculturas de tanta gente talentosa com quem tenho a alegria de conviver. A música também fará parte dele, como não poderia deixar de ser: na forma de divulgação de concertos, gravação de recitais, videos e tudo o mais que puder interessar aos amantes da boa música. Será um prazer receber a visita de voces e ler seus comentários !