quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A arte e a loucura

                                                                                 

               Os artistas caminham num  mundo paralelo ao real, rodeados de possibilidades de fuga do mundo das coisas tangíveis, cercados por encantamentos e magias que o palco oferece. Livres pra voar nas palavras que escolher em sua poesia ou prosa.  Cercados pela argila maleável que tudo permite o moldar.  Frente às telas  onde o possível não tem limites, onde a cor e a forma ficam ao seu dispor, em cada pincelada aleatória ou não. Música e movimentos delineiam a dança conforme comando do corpo, ao seu bel prazer.
                    A técnica possibilita mais liberdade,  não deve cercear a criação artística. Serve apenas como a base onde se apoia o sonho e a fantasia. A mente do artista viaja por caminhos inusitados, na medida em que galga a sabedoria gerada pelo livre pensar e sentir. A alma, enriquecida de sensibilidade artística, passeia pelos caminhos que surgirem em seu imaginário, criando do nada a estrada que desejaria ter à sua frente. O espírito se eleva às nuvens do sonho, conhecendo novas luzes e sombras,  se veste e se despe da roupagem que melhor lhe aprouver. Num transe em que todas as ficções se tornam paupáveis, em que dois mundos se misturam em tanta intensidade, que num átimo não se sabe mais o que existe e o que é puro delírio.
                    O palco vazio, a tela ou papel em branco, o barro, potes de tinta, pinceis, canetas, instrumentos musicais, não importa o meio, todos abrem um leque de riquezas que trazem em si o imenso gozo de ver surgir a arte em todo seu esplendor, na significância de cada detalhe, ou na importância do conjunto da obra. Um mundo novo se descortina quando o artista abre sua mente à simples ideia: sou um ser livre e posso transmitir o que sinto, sou um ser humano disposto  a novos olhares e posso expor o que penso e sei, ou penso que sei.  Quanto maior a certeza de estar certo, maior a chance de expandir horizontes, os tímidos ficam tolhidos pelo real, os confiantes, livres das amarras de críticas, alçam vôos mais altos, e terminam por realizar coisas inimagináveis.
                    Mas, pelos caminhos das  cidades, rumando aos palcos e galerias, confronta-se o artista com a  realidade do mundo, com  o feio, com a pobreza,  o aviltamento, a censura, o descaso, a mentira, a maledicência, a inveja, o ciúme, a ira, a sujeira, os maus tratos, e, o que mais de negativo existe, esbarra nele e o faz rever suas posições , reavaliar suas orientações. Este não é o mundo dele. Esta não é a sua “realidade”, que de tão etérea, se distancia de tudo que é negativo. Que de tão perfeita e pura, não se amalgama com tudo que existe lá fora.
                    Assim ele tem a tendência de se afastar do chão e cada vez mais voar pra longe do real. Aprisiona-se dentro de si mesmo, buscando a sua verdade, distancia-se de amigos, no afã de primeiro entender-se.  Quem alcançaria a  riqueza escondida dentro de si? Quem o saberia detentor de tantas belezas ou dúvidas e incertezas? A liberdade do pensar tráz a euforia e alegria de caminhar mais além. Mas quem pode  acompanhá-lo nesta jornada, além de si mesmo?
                    Daí sua solidão e isolamento, sua necessidade de estar com o seu material de trabalho, livre para exprimir-se, sem interferêcias, sem distrações, sem que nada perturbe seu discurso, tão claro em sua mente, mas ao mesmo tempo exigindo extrema concentração e esforço ao ser parido. A ideia fixa da sua verdade grita em sua mente, pedindo galgar o mundo. A beleza idealizada se expande e necessita brotar pra fora de si, pede exteriorização, clama por escapar do claustro em que vive na sua alma. A luta que ele  trava internamente é intensa,  dificilmente avaliada pelos que o circundam. Tempos de conflitos interiores, tempos de dúvidas, tempos de questionamentos. E de um caminhar que beira a loucura. Álcool, drogas, sexo, depressão, muitas vezes permeiam os dias conturbados nesta busca insana, se confundem com o que ele pensa de si, e como  os outros o vêem. Encontrar a expressão exata do que sente consome suas horas, seus dias, esquece-se de comer e de dormir, mergulha  no afã da busca e não se lembra mais de nada e de ninguém. Sua mente oscila entre a auto-estima baixíssima e o ego inflado, entre tais altos e baixos o artista está constantemente nesta vertiginosa e nefasta corrida por uma montanha russa, perdendo a noção do que realmente é e vale, do que merece usufruir; num dia, rico, no ano seguinte paupérrimo. A velhice o assusta, a perda da beleza o enlouquece; o espelho o avisa e ele se apavora tentando se agarrar ao que pode; a flacidez muscular ameaça sua flexibilidade, e o tremor das mãos impede gestos precisos; a visão se turva, o ouvido ensurdece , a voz emudece, e a catástrofe se avizinha, ameaçando todo seu trabalho. O medo passa a ser seu companheiro diário.
                    Quem poderá compreender esta pessoa artista, que é um amontoado de tantos conflitos internos? Como poderão conviver com o ser que se isola e se perde em meio aos seus próprios questionamentos? Quem  dará as mãos a alguém que pouco procura por elas? Quem conseguirá compartilhar este caminho com ele?
                    Nessa busca incessante, lidando com empresários, marchands, diretores e produtores, surgem os embates, desafios, tão afastados e estranhos ao imenso mundo de sonho do artista. A sobrevivência, na forma de alimentação, moradia e saúde,  impõe acordos, estabalece limites, cerceia atitudes espontâneas. Este confronto com o vil metal não se coaduna com o belo, não se afina com a meta de encantar olhos e ouvidos, ávidos por encantamento e deleite, prazer puro de admirar  a criatividade e o desempenho do artista, despertamento de olhares novos, de ideias supreendentes, desabrochar de  inéditas abordagens ao que já foi visto e ouvido antes. O  pagamento justo da arte pode ser calculado, traduzido em cifrões? Quem tem esta capacidade verdadeira de aferir valores a uma conquista critativa?
                                                                                      
                    Aos que caminham de mãos dadas com as artes e a insanidade, os meus votos de satisfação com suas obras, meus desejos de um encontro pessoal e perfeito com o Belo  que emanou de sua sensibilidade e de  sua derterminação de alcançá-lo.  Bons augurios em sua peregrinação por este mundo cercado de flores e de espinhos, povoado de inteligências e ignorâncias, mesclado de ápices e  depressões. Que a alegria infinita das conquistas sobrepuje a melancolia das frustrações. Que cada passo justifique a busca e traga grandes momentos de encontro com voce mesmo, no seu eu mais profundo e verdadeiro. Que a arte possa trazer prazer e alegria suficientes  para equilibrá-lo e torná-lo mais confiante que sua missão está sendo cumprida e que seu talento não esteja sendo desperdiçado. Que haja aceitação e alguma recompensa; aplausos e reconhecimento de seus méritos; que sua criatividade possa estar debaixo de holofotes inteligentes, que enriqueçam seu trabalho e sua arte. Se não hoje, ao menos um dia enfim, como aconteceu com tantos mestres da criação artística.


                                      Eloísa Falcomer
                        São Paulo, 5 de setembro de 2011
                        

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